Pesquisadores descobrem equilíbrio entre espécies diferentes de animais

Conforme matéria publicada pela Agência FAPESP , por Thiago Romero, uma inédita relação entre o tucano-toco (Ramphastos toco) e a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) no Pantanal Mato-Grossense acaba de ser descrita: o equilíbrio entre os dois animais pode ser a chave para a conservação da arara-azul, espécie fortemente ameaçada de extinção no país.

A descoberta foi feita por pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP), e publicada na revista inglesa Biological Conservation.

Com o objetivo de desvendar parte da ecologia da arara-azul, o trabalho teve como base observações de aves que se alimentam dos frutos do manduvi (Sterculia apetala), árvore que, também ameaçada de extinção na região, é uma das poucas a abrigar ninhos de araras.

A interação observada é inusitada: apesar de diversos pássaros comerem os frutos do manduvi, o único que consegue abri-lo e engolir a semente é o tucano-toco que, além de ser o principal responsável pela dispersão das sementes do manduvi é, por outro lado, o grande predador dos ninhos e dos ovos de araras-azuis.

“O tucano dispersa quase 85% das sementes produzidas pelo manduvi. Observamos 14 espécies de aves comendo manduvi, mas apenas o tucano-toco e o araçari engolem as sementes e as dispersam. Sem o tucano-toco, a regeneração do manduvi seria afetada. Sem o manduvi, a arara-azul não tem onde fazer ninhos, uma vez que 90% deles são feitos nessa espécie de árvore”, explicou o coordenador do estudo, Mauro Galetti, professor do Departamento de Ecologia do IB de Rio Claro, à Agência FAPESP.

“Isso que dizer que a arara-azul depende indiretamente dos serviços de dispersão do tucano. Porém, descobrimos que 53% dos ovos das araras azuis são predados por tucanos. Ou seja, a relação é indiretamente benéfica em um ponto mas afeta a população das araras no outro”, disse.

Segundo ele, essa relação entre o tucano (predador-dispersor) e a arara-azul (presa) não havia sido apontada na literatura científica. “Praticamente nada se conhece sobre interações animais-plantas no Pantanal, ecossistema que merece mais atenção da comunidade científica e dos órgãos de fomento de todo o país”, afirmou.

Quatro anos de observações

Os pesquisadores observaram, de 2002 a 2005, na Fazenda Rio Negro – propriedade da Conservação Internacional localizada na cidade de Pantanal da Nhecolândia (MS) –, 12 árvores de manduvi durante o período de maturação dos frutos. Foram realizadas 89 sessões de observação, com duração que variou entre uma e cinco horas cada, em um total de 255 horas de análises do comportamento dos animais.

“Observamos o manduvi escondido na vegetação a uma distância de aproximadamente 50 metros, para não assustar os animais. Anotamos dados como quais aves ou mamíferos visitaram a planta, quais comeram os frutos, quais predaram as sementes e qual a quantidade de sementes engolidas”, contou Galetti. O total de frutos sobre as árvores foi registrado no início de cada sessão de observação.

O pesquisador atualmente desenvolve estágio na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, com apoio do programa Novas Fronteiras da FAPESP – estuda o impacto da perda de fauna na diversidade de plantas em florestas tropicais.

Segundo Galetti, o principal ganho da pesquisa feita pela Unesp, que poderá contribuir para programas de preservação da arara-azul, é a indicação de que uma mesma espécie, o tucano-toco, afeta indiretamente outra (manduvi) com da dispersão de sementes e, ao mesmo tempo, uma terceira, com a predação de seus ovos.

“Para conservar as araras precisamos de manduvis, mas só haverá manduvis se tivermos tucanos suficientes para dispersar suas sementes. Por outro lado, um aumento populacional excessivo de tucanos afetaria as populações de araras. Mas se os tucanos forem caçados ou capturados pelo mercado ilegal de animais, por exemplo, as araras azuis, no futuro, terão menos manduvis para fazer seus ninhos. É um balanço delicado da natureza”, explicou.

Ainda que 53% dos ovos das araras sejam predados por tucanos, a segunda não é o principal problema de conservação da primeira. “O maior é a rápida destruição dos ecossistemas do Pantanal. Nosso estudo aponta que, seja qual for o plano de conservação da arara-azul, será necessário antes avaliar a população dos tucanos. Prevenir a predação dos ovos pelos tucanos é praticamente impossível”, destacou.

De acordo com o cientista, a melhor forma de proteger a arara-azul é impedir o desmatamento e a conversão das florestas no Pantanal em pastos ou atividades agrícolas.

“Estimativas sugerem a existência de cerca de 5 mil araras-azuis no Brasil, a maioria no Pantanal. O manduvi ocorre apenas nas florestas semidecíduas e matas ciliares, que formam menos de 6% da área do Pantanal. As populações de araras-azuis, por sua vez, são controladas pela abundância de manduvis. E quem promove a dispersão do manduvi é o tucano”, afirmou Galetti.

“Dados recentes da Conservação Internacional mostram que a destruição da vegetação do Pantanal é altíssima, cerca de 2,5% ao ano, e que em 2030 todo o bioma estará descaracterizado, afetando importantes serviços ambientais ao bem estar humano. Hoje só se fala da conservação da Amazônia, mas o Pantanal está bem mais ameaçado, uma vez que lá existem pouquíssimas reservas”, apontou.

Também participaram do trabalho desenvolvido na Unesp, que contou com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa, Marco Aurélio Pizo, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Neiva Maria Guedes, da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, e Camila Donatti, da Universidade de Stanford.

O artigo Conservation puzzle: Endangered hyacinth macaw depends on its nest predator for reproduction, de Mauro Galetti e outros, publicado no volume 141, edição 3 da Biological Conservation, pode ser lido por assinantes da revista em www.sciencedirect.com/science/journal/00063207.