Quando as plantas se tornam musas inspiradoras dos cientistas

Quando as plantas se tornam musas inspiradoras dos cientistas
Microrganismos que vivem em simbiose com plantas podem ser importante fonte não-convencional para o desenvolvimento de produtos naturais, de acordo com Leslie Gunatilaka, da Universidade do Arizona (Foto: Eduardo Cesar)

Nossa dependência das plantas é maior do que possamos imaginar, mesmo assim agimos como seres ignorantes com relação a natureza. Plantas são seres vivos, algumas até “inteligentes”, pois suas flores fazem de tudo para chamar a atenção dos insetos, a fim de atraírem agentes polinizadores. Outras  são verdadeiras máquinas de reciclagem, beneficiando animais e sendo beneficiada por eles.

A Agência FAPESP publicou um texto interessante, de autoria de Fábio de Castro, com o título de Fonte microscópica. Segundo o autor, microrganismos que vivem em simbiose com plantas podem ser uma imensa e inexplorada fonte para o desenvolvimento de produtos naturais a partir de estruturas químicas otimizadas ao longo de milhões de anos pela evolução:

As novas estratégias para aperfeiçoar essa diversidade estrutural dos produtos naturais e multiplicar suas aplicações foi o tema da conferência de Leslie Gunatilaka, professor da Universidade do Arizona, Estados Unidos, na sexta-feira (26/2), durante o Workshop Internacional Biota-FAPESP sobre Metabolômica no Contexto da Biologia de Sistemas, realizado na sede da Fundação, em São Paulo.

O uso dos microrganismos como fonte de produtos naturais traz várias vantagens, de acordo com Gunatilaka. Uma delas é que eles podem ser encontrados no solo ou associados a plantas, líquens e animais.

“O número de microrganismos é muito grande e eles podem ser utilizados para produção em larga escala sem destruição ecológica. Além disso, com a manipulação das condições de cultura, podemos produzir uma incontável variedade de metabólitos”, disse.

O cientista descreveu as estratégias utilizadas por seu grupo para aperfeiçoar a diversidade estrutural de produtos naturais, envolvendo a manipulação das cepas de fungos e das condições de cultura.

Segundo Gunatilaka, as plantas que vivem em condições de estresse ambiental (como temperaturas muito baixas ou muito altas), podem ser excelentes fontes de produtos naturais bioativos, especialmente quando se associam a determinados microrganismos.

“Trabalhamos na região do deserto de Sonora, no Arizona. Em locais assim, com condições extremas e grandes variações de temperatura, as plantas precisam desenvolver formas de sobrevivência especiais. Elas fazem isso produzindo metabólitos secundários, muitas vezes com a ajuda de microrganismos”, explicou.

Um dos principais trabalhos desenvolvidos pelo grupo coordenado por Gunatilaka envolveu o fungo Paraphaeosphaeria quadriseptata, presente na rizosfera – a região onde raízes das plantas entram em contato com o solo – da Arabidopsis thaliana. Essa planta, da família da mostarda, é considerada um dos principais organismos modelo para o estudo de genética em botânica.

O grupo já havia descoberto anteriormente que esse fungo, que vive em associação com as plantas do deserto de Sonora, produz moléculas de monocilina, inibidoras da proteína de choque térmico (HSP90, na sigla em inglês). Uma pesquisa realizada em 2007 e publicada na revista Plant Physiology mostrou que a exposição da planta à monocilina aumentava sua resistência a condições ambientais letais.

“Sabíamos que a monocilina interagia com a HSP90, que é uma proteína muito interessante para aplicações no tratamento de câncer e doenças neurológicas. Queríamos ver se o composto tinha capacidade de modular a resposta da planta ao estresse ambiental. Conseguimos produzir grande quantidade de monocilina e verificamos que, ao ser aplicado em mudas da planta, o metabólito a induzia à termotolerância”, disse.

De acordo com o cientista, com a aplicação de 1 micromole do composto, as mudas conseguiam sobreviver a uma temperatura de 45º C por períodos de 50 a 75 minutos. “Com esses resultados conseguimos animar algumas empresas de agricultura a desenvolver produtos específicos e já temos alguns resultados muito promissores”, afirmou.

Segundo Gunatilaka, a resposta ao choque térmico tem um papel central para garantir que as células possam lidar com a desestabilização das proteínas.

“Com isso, a modulação dessa resposta ao choque térmico deve ter implicações importantes para doenças como o câncer e os problemas neurodegenerativos, assim como para a tolerância das plantas ao estresse em ecossistemas áridos”, disse.